- Pedro Vidal
Fotografía: Um liguagem social ativo.
Updated: Mar 9
Quando finalmente estabelecida, na França no inicio do século XIX, a fotografia se deparou com um espaço de reorganização da sociedade e acabou por se desenvolver junto dela. A burguesía, que todavia era socialmente desprezada, ascendia economicamente e começava a mimetizar os comportamentos das clases mais altas.
Nesta época somente pessoas da nobreza e da alta aristocracía tinham seus retratos registrados por pintores. Essa nova classe ascendente, os burgueses, encontrou na fotografía uma maneira de espelhar esse comportamento e como era mais facil e logo mais barato acceder a um fotógrafo que a um pintor, a partir da fotografia a burguesia comeca a reproduzir suas próprias imagens afim de buscar equivalência com as classes altas tradicionais.
A fotografía se moldou e se formou com base dessa demanda. Centenas de fotógrafos formando seus negócios e adaptando seu labor aos gostos dessa burguesía, mal gosto, como expressou Nadar por diversas vezes. “É certo que o desenvolvimento económico trás para as clases menos favorecidas possibilidades de instrução. No entando a emancipação inteclectual não caminha tão depressa como a económica”.

Essa mesma burguesia foi responsável pela invenção da “pos-produçao”. Desgostosos com o extremo realismo e nitidez da técnica fotografica, já em 1856 os fotógrafos se viram obrigados a encontrar tecnicas para suavizar a pele e eliminar imperfeições, ainda que rudimentares.
Os rumos que a história da fotografia toma, que nós fotografos participamos, são resultados do contexto material e político de nossos tempos. A evolução de nosso linguagem se dá em função da superestrutura.
Nas grandes guerras do final do século XIX e começo do XX a fotografia foi extensamente utilizada como ferramenta política. Fotografos eram enviados para as zonas de guerra com um objetivo em concreto: coletar imagens que motivassem os jovens em suas nações a engajarem nos conflitos. Eram imagens de soldados jovens e bem vistosos depois de uma vitoria. Imagens do terreno inimigo devastado. Tudo sem mostrar a violencia, feridos ou mortos. Embora fosse proibido retratar ou publicar fotografias de guerra desde outros pontos de vista, a maioria dos fotografos que se submetiam a estes trabalhos já estavam tomados por um nacionalismo e guiavam sua visão por este sentimento.
A criação da famosa revista LIFE, conhecida por “desvelar a vida como ela é”, também corre sobre os mesmos trilhos. LIFE foi adquirida e transformada pelo criador da revista TIME, em 1936, que se auto declarava “capitalista, nacionalista e presbiteriano” e que reproduzia em suas publicações os valores da “familia americana”. A revista exibia reportagens fotograficas riquissimas sobre os mais diferentes lugares e assuntos, porém, a linha editorial era estrita. Sempre que se mostrassem cenas tristes os editores eram obrigados a ressaltar algo de esperança ao final para compensar, também era proíbido publicar assuntos no mesmo tom que remetessem a vida dos americanos. Reproduziam um recorte conveniente da realidade.
Revistas como a LIFE usavam as fotografias e reportagens de seus fotografos sem que os mesmos pudessem opinar ou controlar o uso de suas imagens. Muitas vezes seus fotógrafos tinham suas imagens compartilhadas em artigos que contrariavam suas visões políticas.

Fotografias foram usadas para moldar nossa sociedade a medida que a sociedade vai moldando a maneira que lidamos com elas.
“Ainda que a fotografia aparece como “arte”, por competir um espaço com a pintura, ela se dá mais como “industria” na maior parte do tempo. A fotografia se perpetua por sua maneira mecanica de reprodução e seu fácil manejo em comparação com a pintura.” László Moholy-Nagy.
Entendemos fotografía hoje como uma ferramenta alheia as questões de nosso tempo, como objeto de suposta neutralidade politica e social. Como se a fotografia em si fosse uma linguagem apática, destinada a preencher espaços vazios com imagens.
A maior parte do uso que se da a fotografía hoje é para entretenimento e propaganda. Fotografia de moda, de produtos, uma quantidade exorbitante de selfies, paisagens turísticas, lugares vintages, carros antigos, predios abandonados, ensaios pessoais, truques de camara, fotografia abstrata, casamentos e etc. Isso diz muito sobre o que nos tornamos como sociedade.
Wim Wenders, em uma declaração recente, diz que nós como sociedade deveriamos encontrar outro nome para essa nova maneira de criar e reproduzir imagens. Para ele selfies e fotos de smartphones não são fotografia. Estas imagens, criadas aos milhões, são em sua maioria esquecidas e se tornam objeto de consumo instantaneo e solvente, que nascem e morrem no próprio ato de fotografar. Milhões de imagens feitas e nunca mais vistas. É a fotografia afastada de qualquer reflexão sobre o sistema em que vivemos. É a fotografia do nosso tempo, determinada a alimentar nossa ansia por consumo, por produtividade, por competicão e acumulo de riqueza.
O desenvolvimento de toda essa estrutura, dessa forma de vida e da maneira que nos organizamos como sociedade não se dã espontaneamene como o cotidiano nos faz perceber. É importante entender, assim como no caso da revista LIFE, quais os interesses e objetivos dos meios que estamos expondo nossas fotografías agora. Não há neutralidade espontânea. Essa transformação da fotografia não é algo “natural” que reflete os interesses do povo. Não há movimento natural, há construção social.
Walter Benjamin já desvelava o caráter despolitizante da estética, e nos chamava a repensar nossa posição como artistas, como fotografos, e combater a “estetização da política” com a “politização da estética (ou da arte)”.
A fotografía é uma ferramenta que sensibiliza que expressa consigo uma verdade própria, por isso é tão potente. Fazer uso político e social dela é ocupar um espaço de expressão de nossa sociedade e moldala a nossa maneira.
Muitos de nos, por necessidade ou por inercia, nos deixamos levar por tendências e modismos, nos afastamos até mesmo daquilo que apreciamos como fotografia para reproduzir algo que “funcione”. É certo que para sobreviver temos que sobrepassar nossos gostos mas isso nada tem que ver com deixar de sermos auténticos e honestos como fotógrafos. Não importa se você fotografa retratos, abstrato, pela rua, documentário ou o que for. Há de se fotografrar com convicção, com substancia.
Se a arte define e representa o mundo a nossa volta, e nossa arte é vazia e fútil, nós somos vazios e fúteis. Se a nossa estética é irracional e inexpressiva, nós somos irracionais e inexpressivos.
Quando nós fotógrafos nos ocupamos de temas e expressões relevantes para nós, quando repercurtimos nossas visões, estamos ocupando este espaço, dando a vida desinteressada que cabe a uma manifestação de cultura. Que não se regula por consumo, pelo interesse do capital. Que se constrói a partir do que nos faz humanos e que nos leva a evoluir como sociedade.
Temos que insistir por nossa conta e fotografar com conviccção para construir um caminho que faça valer os nossos interesses e que os interesses de poucos não ecoem em nossas expressões. Não havería Nadar, Bresson, Morath, Salgado, Meiselas o Parr, se não houvesse uma perspectiva consciente e material sobre o que somos como sociedade.

A fotografia é uma expressão que em sua essência nos faz abrir os olhos, pensar e sentir coisas novas. Nós fotografos não vamos mudar o mundo sozinhos, mas uma arte verdadeira é capaz de instruír, emocionar, divertir e despertar e quando somos tocados por ela abrimos a porta para a formação de uma nova consciência crítica.
“A arte não é um espelho para refletir a sociedade, mas um martelo para dar-lhe forma”. Bertolt Brecht.
Fotografia não é sobre aquilo que um vê, é sobre o que um cita. É sobre fazer de uma cita a memoria do outro e o que reafirmamos como memoria conjunta é essencial para fazer justiça ao passado e frente ao futuro.
Bibliografía:
“La fotografía como documento social”. Giséle Freund.
“A obra de arte na era da reproductibilidade técnica”. Walter Benjamin.
“El hombre unidimensional”. Hebert Marcuse.